Não é possível se conformar com os votos de alguns ministros do STF que indicariam uma tendência a considerar constitucional a tributação da equivalência patrimonial decorrente de investimentos em empresas domiciliadas no exterior. É recomendável retomar os conceitos de equivalência patrimonial em consonância com os princípios e conceitos teóricos das Ciências Contábeis para uma acurada análise da questão.

Como é de sabença geral, a base de cálculo do IRPJ e da CSL é o lucro contábil ajustado por adições e exclusões. Ou seja, parte-se do lucro contábil, retiram-se despesas não dedutíveis e receitas não tributáveis contabilizadas e adicionam-se despesas que se tornaram dedutíveis e receitas que se tornaram tributáveis.

Independente dos ajustes fiscais, o ponto de partida o lucro contábil. Esse lucro é apurado com base nos Princípios Gerais de Contabilidade, obrigação prevista tanto na legislação comercial quanto fiscal aplicáveis. Sendo assim, propõe-se analisar o conceito de equivalência patrimonial a partir desses princípios.

A nosso ver, dois princípios fundamentais das Ciências Contábeis devem ser considerados.

O saudoso mestre Nilton Latorraca1, ao tratar do Princípio do Conservadorismo, ensinava: “Esse princípio conhecido como ‘conservadorismo’ (do inglês, conservatism) é empregado na linguagem contábil para indicar uma posição cautelosa ou prudente. Segundo Paul Grady, do ponto de vista de princípios de contabilidade geralmente aceitos, o conceito de conservadorismo compreende duas ideias: receitas não devem ser antecipadas; todos os passivos, ou perdas, devem ser contabilizados, mesmo que o valor da obrigação ou da perda ainda não seja líquido, isto é, mesmo que o valor ainda não seja determinado.”

Se tal princípio fosse aplicado isoladamente, por certo o investimento seria mantido ao custo de aquisição e a variação patrimonial da empresa investida (seja controlada ou coligada) jamais seria contabilizada na empresa investidora, pois tal variação não representa nenhum direito efetivamente auferido ou obrigação assumida pelo investidor. Tais variações são meras expectativas de direito ou de potencial obrigação, como se detalhará nesse artigo.

Ocorre que o Princípio do Conservadorismo deve ser ponderado em face do Princípio da Oportunidade e do conceito do justo valor. Nas lições do mestre Latorraca2, o princípio da oportunidade “refere-se, simultaneamente, à tempestividade e integridade do registro do patrimônio e das suas mutações, determinando que seja feito de imediato e com a extensão correta, independente das causas que as originaram”. Já o conceito do justo valor, elemento de ponderação dos princípios antes referidos, recomenda que o custo original de um ativo seja ajustado de forma a refletir seu potencial e esperado valor de realização. Vale lembrar os ensinamentos de Sérgio Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbeck, na obra Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. Ao ponderar a aplicação do Princípio do Conservadorismo, esclarecem3: “O Princípio, portanto, não pode ficar entendido em sua interpretação original, restrita, de valor inicial, mas (com a utilização conjunta do Princípio do Denominador Comum Monetário) ‘atualizado’ seu entendimento, corrigindo-se custos incorridos no passado em termos de poder aquisitivo de certa data-base, presumivelmente próxima do momento decisório, a fim de que todos os dados estejam expressos ao mesmo poder aquisitivo da moeda. Daí nosso enunciado. No Brasil, portanto, já pode ser tranquilamente admitida uma mudança de denominação, que poderia ser ‘o Princípio do Custo Histórico Corrigido Como Base de Valor”.

O conceito do justo valor, se era aplicado com parcimônia nas normas contábeis brasileiras até 2009, passou a ser elemento basilar e fundamental de ponderação dos princípios contábeis com a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS). Nesse sentido, ativos e passivos devem ser ajustados contabilmente a seu valor provável de realização.

Revistos tais conceitos, acreditamos ser possível discutir o que representa o resultado de equivalência patrimonial.

Quer se analise a equivalência patrimonial de um ponto de vista teórico, quer se apliquem os dispositivos legais ora vigentes (Lei das Sociedades por Ações e normas contábeis aprovadas pelo Conselho Federal de Contabilidade), há de se concluir que a equivalência patrimonial é mero ajuste a valor justo do investimento feito por uma empresa em outra. Sendo mais didático: Quando uma empresa investe em outra, registra o investimento em função do montante do valor dispendido para adquirir a participação societária. Sem embargo, ao longo do tempo, deve ajustar o valor desse ativo à expectativa de sua efetiva realização. A equivalência nada mais é do que um resultado da aplicação desse conceito. Não se trata de renda efetiva auferida pelo investidor, mas mera expectativa de valor justo do ativo na eventualidade da realização do investimento.

Tanto é assim que a equivalência não decorre apenas de lucros e perda da investida. A equivalência é o ajuste do investimento em função da mutação do patrimônio líquido da coligada ou controlada. Se, por exemplo, ela faz uma emissão de ações com ágio, registra uma reserva de capital e aumenta seu patrimônio líquido. Se recebe uma subvenção para investimento, registra outra reserva que também aumenta seu patrimônio.

Em todas essas hipóteses, há uma mutação do patrimônio da investida que gera o correspondente ajuste do ativo registrado na investidora. Entretanto, jamais se cogitou tributar tais variações patrimoniais porque se reconhece que tais mutações, bem como seus efeitos na contabilidade da investidora, não passam de expectativas de direitos e obrigações, mas não são receitas ou despesas efetivas do investidor. Vale analisar os casos citados com mais vagar.

No caso do ganho de participação societária decorrente de aumento de capital com ágio, a legislação é expressa ao reconhecer que, embora o investidor não aportante registre uma receita de equivalência patrimonial (porque o patrimônio da investida aumenta), não se trata de receita tributável, pois esse investidor não aufere renda. É a empresa investida que recebe os recursos do aporte de capital. Em tese, se o investidor decidisse vender as ações da investida, teria um ativo potencialmente mais valioso — uma empresa com caixa reforçado pelo aporte de capital feito com ágio. Essa presunção, contudo, é mera expectativa de direito, pois o mercado não valorará as ações apenas em função do patrimônio ou do caixa da investida.

O caso da subvenção para investimento é ainda mais didático. Trata-se de recurso registrado pela investida, oriundo de terceiro (no caso um ente governamental), que não pertence aos sócios. Tome-se, por exemplo, o caso dos incentivos fiscais de Imposto sobre a Renda concedidos a empreendimentos nas regiões Nordeste e Norte. Por disposição legal expressa, o benefício resultante da redução do imposto não pode ser, direta ou indiretamente, entregue ou repassado aos sócios. Logo, seria absurdo presumir que o registro da correspondente reserva no patrimônio da investida representa renda para o investidor, muito embora o investidor contabilize uma receita de equivalência patrimonial.

Os exemplos acima referidos se prestam a comprovar um fato: a variação do patrimônio líquido da empresa investida pode gerar, na melhor das hipóteses, uma expectativa de direito ou de obrigação para o investidor. Não há como se cogitar, nesses exemplos, qualquer renda auferida pelo investidor.

No mesmo sentido, se uma empresa investida tem lucro, não tem o investidor qualquer renda. Tem uma mera expectativa de receber, no futuro, dividendos. Para deixar ainda mais patente a expectativa de direito, tome-se a seguinte hipótese: a empresa investida tem prejuízos acumulados. Se, em determinado ano, auferir certo lucro, terá um aumento patrimonial e a investidora registrará uma receita de equivalência patrimonial. Imagine-se, contudo, que o lucro daquele período não superou as perdas acumuladas. Há, por parte do investidor, qualquer expectativa de direito? Expectativa de receber dividendos? Por certo que não. Muito embora o investidor tenha registrado uma receita de equivalência patrimonial naquele período-base, sabe que não receberá qualquer dividendo derivado desse lucro.

Há, portanto, uma conclusão que julgamos razoável sustentar: os resultados de equivalência patrimonial, registrados por um investidor, não representam um direito efetivo deste contra a investida. Não representam direito a receber dividendos, não importa se tem ou não controle societário da subsidiária. Variações no patrimônio dessas empresas representam, quando tanto, uma mera expectativa de direito, decorrente de uma estimativa de variação do valor justo do ativo.

Admitida essa qualificação do registro contábil, restaria questionar: O sistema legal pátrio garante efeitos práticos às expectativas de direitos? A resposta é não. No julgamento da mudança das regras da Previdência Social, o STF decidiu que expectativa de se aposentar, ainda que em curto prazo, não representava direito adquirido do trabalhador, mas mera expectativa de direito sem efeito prático e que pode ser anulada por mudança da legislação.

Se analisarmos a legislação que rege o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro, temos exemplos que adotam a mesma ratio. Ao tratar do lucro inflacionário, a doutrina, a jurisprudência e o próprio legislador reconheceram que se tratava de uma receita contábil que não representava efetiva renda, mas mera expectativa de renda só tributável se e quando houvesse a realização dos ativos que o geraram. Da mesma forma, a reavaliação de ativos sempre foi um registro contábil neutro para fins de apuração do IRPJ e CSL, por representar mera expectativa de valor justo contabilizada pelo detentor do ativo. E mais! O legislador entendeu por bem considerar não dedutíveis as provisões relacionadas a tributos em discussão judicial, exatamente por considerar que não representam efetivas obrigações juridicamente exigíveis, mas meras expectativas de potenciais contingências.

São inúmeros exemplos com um elemento comum: Expectativa, seja de direito ou obrigação, não pode gerar efeitos fiscais. Não se tributa fato presumido. Logo, se a equivalência patrimonial é um ajuste do investimento decorrente de expectativa de direitos ou obrigações futuras e incertas, por óbvio não pode compor a base de cálculo do IRPJ e da CSL, não importando se a investida está no Brasil ou no exterior, se é controlada ou coligada.

Por Tácito Ribeiro de Matos, ex-sócio do escritório L.O. Batista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira e Agel Advogados.

Publicado em ConJur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-mai-17/tacito-matos-expectativa-direito-nao-gera-efeito-fiscal#author

 

REFERÊNCIAS

(1) Latorraca, Nilton – “Direito Tributário – Imposto de Renda das Empresas” – Editora Atlas – 14ª edição – páginas 244 e 245.
(2) Op.cit, página 245.
(3) Iudícibus, Sérgio; Martins, Eliseu e Gelbeck, Ernesto Rubens – “Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações” – Editora Atlas – 3º Edição, página 83

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